domingo, 29 de agosto de 2010

Esperaram Demais

2 - Carta de Cabeceira


Quando Otávio abriu os olhos, por um momento pareceu que o tempo havia voltado alguns meses ao passado - Ao lindo passado dele. Lá estava a pessoa que o havia feito mudar. Lá estava, a centímetros dele, a pessoa que ainda o fazia estremecer. Ela não devia saber, nem ao menos desconfiar, mas ele a amava ainda, talvez de um modo totalmente novo e especial.

Ele a apreciou por alguns minutos. Os contornos dela não eram perfeitos, mas eram inocentes, carregados de algo positivo. E o otimismo dela? Este contagiava qualquer um. Costumava contagiar Otávio na época do namoro dos dois. Havia algo dentro dela. Algo diferente.

O sol penetrava pelas janelas de vidro. Parecia ser tarde. Otávio não podia esperar. Levantou-se e silenciosamente caminhou até a escrivaninha mal-feita de Sophia - ela jamais havia ligado para aparência mesmo. Sentou-se, arrancou uma folha de papel do primeiro caderno que encontrou, pegou uma caneta e hesitou antes de começar a escrever:



'' Fazia tanto tempo - no nosso tempo - que não a via. Honestamente, nem mesmo sei porque estou escrevendo isto. Talvez para convencer a mim mesmo de que você ainda me ama e de que ainda está de alguma forma presa a mim, ou apenas para, mais uma vez, chorar por a ter deixado sair da minha vida.

Sou indeciso, eu sei. Você mesma me disse isso inúmeras vezes, e eu, com minha exaustiva ingratidão e amargura, gritei com você de um modo que jamais havia gritado com mais ninguém. Como você pôde ter suportado isto tantas vezes?
Então, em uma sexta-feira aparentemente comum, você me disse que já havia cansado de mim e que já não aguentava mais meu modo decadente de tratar você. Sumiu por duas semanas - no nosso tempo, séculos - quando a mandei embora. Foram dias confusos, não acha? Até que, sem explicação ou por ironia de algo que você poderia chamar de ''destino'', nos encontramos ontem na saída de um bar - daquele bar. Você estava linda e radiante, como sempre. Naquele momento eu soube que eu não podia morrer sem beijá-la pela última vez, sem tocá-la, sem amá-la. Tivemos uma noite linda e, acredite, eu gostaria muito que a vida realmente funcionasse para mim do mesmo modo simples que funciona para você. Mas não é assim. Não a minha vida.
Hoje, quando acordei e a vi dormindo ao meu lado, senti algo tão intenso que palavra alguma - pelo menos no meu vocabulário- não é capaz de descrever. Mas o fato, Sophia, é que não sobreviveremos. Você merece algo muito melhor.
Espero que você seja feliz. Espero que você seja esperta o suficiente para agarrar esta chance de poder viver longe de mim e dos meus problemas de uma vez por todas.


Otávio A. Sepol

P.S.: Não sei como funciona a estrutura de uma carta ou de um bilhete...Enfim, não ligue . ''


____



Era incrível a sensação de acordar bem. Antes mesmo de abrir os olhos, Sophia já agradecia mentalmente por mais um dia. Antes mesmo de tomar consciência de quem era ou de onde estava, ela já esboçava um sorriso encantador no rosto. Sophia era Sophia, e não precisava de muito para ser quem era.

Otávio não estava mais lá. Sophia sorriu, como se apenas houvesse confirmado algo que já sabia. Respirou fundo e pôde sentir o cheiro forte e paralisante de Otávio. Aquele cheiro, aquele cheiro. Ergueu os braços e se esticou na cama antes de se pôr de pé em um salto. Ela adorava fazer aquilo, e sempre caia em risadas quando olhava de volta para a cama e se dava conta de que só voltaria a se deitar de noite. Enquanto sorria, reparou no pedaço de papel delicadamente posto em cima da sua mesa de cabeceira. Pegou o papel e respirou fundo antes de começar a ler.

Leu as palavras de Otávio e apertou o papel fortemente contra seu peito quando terminou. Sentiu um rápido impulso de chorar que acabou passando também rapidamente. Caminhou até a varanda do quarto. Olhou para a rua lá embaixo - fazia muito tempo que ele havia passado por lá?

Enfim, aquilo já não era relevante. Ainda havia um dia inteiro e uma vida inteira para ela viver e, irônica ou casualmente, descobrir ou apenas se dar conta de pelo menos três coisas:
1 - No vocabulário de Sophia felizmente havia uma palavra que descrevia especialmente bem o que Otávio não conseguiu descrever em sua carta, e essa palavra era Amor.
2 - Sophia definitivamente não era e jamais seria esperta o suficiente para agarrar chance alguma de viver longe de Otávio e de seus problemas.
3 - No tempo deles, uma noite de Amor era pouco, muito pouco. Ele deveria saber disso.



quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O Nada

Sem pensar ou fazer nada. Ela tentou fazer isto por alguns minutos... Tente você também.

domingo, 15 de agosto de 2010

Só Amor

Hoje percebi que não há comparações, o Amor possui só uma essência, e cada manifestação dele, seja em pessoas ou coisas, jamais se repete. E, ao contrário do que ocorre em outros ramos da vida, isto não me traz sensação de perda.

Amo meu cachorro de um modo que jamais amarei ninguém, do mesmo modo que amo meus braços de um modo totalmente diferente do qual amo minhas pernas. Os vários modos de Amar refletem as várias faces do Amor, e os vários modos do Amor são os modos pelo qual suas faces se revelam: Um carnaval de diferentes faces, e cada uma é única e incomparável no seu modo de ser.

Uma vida sem Amor é uma vida descorada não para uma vida sem cor - até uma vida sem cor tem cor de alguma coisa -, mas pro nada, vazio, infrutífero, Oco...
Amor e suas cores, Amor e seus amores, Amor e seus sabores, suas faces e Calores, seus retratos e fatores de Amores, Só Amores!



Vou viver esse calor
de Amor, Só Amor!
Vou viver esse sabor
de Amor, Ah, Amor!

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Ela não sabia

Até havia momentos em que tudo ficava bem entre os dois, mas o garoto logo tratava de acabar com a conversa e sair de perto dela, pois sabia que não queria mais ter um relacionamento amoroso com aquela garota complicada - bastava todos os meses que havia estado com ela sem jamais ter compreendido o que ela queria de verdade.
Já ela, orgulhosa e apaixonada, desejava ardentemente retomar a relação - ou começar uma nova e totalmente nova relação. Mas não adiantava, por mais que eles conseguissem ter momentos memoráveis, o garoto sempre dava o pé para trás. Ela nunca compreenderia a mente dele. Por que os garotos faziam tudo errado?
Até que ela decidiu que estava cansada. Não queria mais passar dias e noites perguntando a si mesma qual era o problema daquele garoto, e muito menos queria continuar se torturando pelo medo que ele tinha de amar alguém - era o que ela supunha.
Ora, pensava ela caminhando pela calçada limpa de seu bairro, o que mais posso pensar? Quando ele perceber que está cometendo o maior erro da sua vida, ele virá até mim e tentará voltar. Coitado! Perdeu a oportunidade de ouro que eu o dei. Perdeu alguém que realmente o amou...Sinto pena dele.

E os dias foram passando. Pretendentes iam e vinham todos os dias, mas a menina não queria saber de iludi-los, do mesmo modo que o garoto a havia iludido.
-Aquilo não quero pra ninguém! - disse ela certa tarde, após receber uma proposta de um garoto da faculdade. - Acredite em mim, é melhor assim.
- Como você pode dizer se algo é melhor ou pior sem vivenciar a experiência? - Questionou o menino com uma pitada de timidez.
A garota analisou a pergunta do menino, e sabia que ele tinha razão. A única explicação para ela não querer engajar um relacionamento com ele era seu amor pelo outro. Mas isso ela não admitiria.
- Olhe, além de inseguro, você demonstra ser pessimista demais. E, eu realmente não estou com cabeça para algo sério agora. É melhor desse jeito, você verá. Um dia desses eu gostaria muito de dar uma volta com você e ter uma longa conversa. Queria muito contar minha história.
O garoto a encarava incrédulo. Ela percebeu. Hesitou um pouco antes de prosseguir:
- Não vai acontecer nada...Não posso. E não quero. Mas sei como você se sente. Gostaria muito de ajudá-lo se pudesse. Vou entender se não quiser mais me ver daqui pra frente.
O garoto levantou-se e deu dois passos, afastando-se dela. Depois parou e voltou-se novamente para a garota.
- Você não me conhece. Como pode falar sobre insegurança ou pessimismo? Você precisa se tratar, garota... - E foi-se embora, deixando-a para trás.

A menina continuou vivendo. Ainda sofria bastante pelo garoto que havia namorado, mas sofria também pelas duras palavras que o pretendente havia dirigido a ela. Seu único subterfúgio era afogar as mágoas em intermináveis lágrimas que só tinha coragem de chorar pela noite, quando estava sozinha em sua cama, sem a menor vontade de dormir. Ele não me merecia...E aquele outro muito menos! Quem precisa se tratar é ele! Aliás, os dois precisam! Repetia freneticamente sem dizer palavra alguma.

- Um relacionamento é construído por duas pessoas e não por apenas uma - disse sua amiga certa vez, após ouvir pela milésima vez as lamentações e insultos lançados aos dois garotos.
- Eu sei disso...
- Não, não sabe - Interrompeu a tal amiga rispidamente. - Todas as vezes que você fala desse seu relacionamento fracassado, você se refere apenas a ele, ao garoto. Todas as vezes que fala de suas mágoas, você se refere apenas ao outro garoto que a mandou se tratar. E você? Onde está sua parcela de culpa nisso tudo?
A garota arregalou os olhos e não pôde esconder o espanto pelo que a amiga dizia.
- Ou você não se lembra dos dias que tratou seu ''amado'' - e a amiga fez questão de destacar essa palavra com cuidado para não parecer irônica - com frieza e o chamou de idiota sem ao menos se dar ao trabalho de explicar a ele o motivo de você ter estado daquele jeito? Não se lembra da frase mais repetida por ele quando você o repelia dizendo que não queria mais falar com ele, ''o que foi que eu fiz?!'', não era? Não era o que ele a perguntava? Talvez a pergunta tenha sido feita incansavelmente por ele, não mais para você pois você não o responderia, mas para ele mesmo.
- Ele era insensível...Esquecia os horários dos nossos encontros e dizia coisas que me deixavam magoada... - Explicou a menina desconcertada.
- E você conversou sobre isso com ele? Não. Para você bastava chamá-lo de insensível e deixar a culpa nas costas dele. Claro, ele tinha a missão de adivinhar o que você estava sentindo, não? Aliás, todos têm a missão de adivinhar o que você quer, porque caso não façam isso, você fechará a cara e os tratará com frieza.
- Mas...
- E por DEUS! Dizer que o outro era pessimista e inseguro? O que você sabia sobre ele para dizer algo assim? O que ele respondeu foi pouco. Se tivesse sido eu, pode estar certa de que diria coisas muito piores.
- Pensei que você fosse ajudar...
- Errado, mais uma vez. Você pensou que eu fosse ser seu objeto, como pensa de todos os outros. Como pensou do seu ''amado'' e do garoto que você deu um ''fora''. Você podia ser um pouco menos egoísta, amor. Em momento algum você parou para pensar em como aqueles garotos devem ter se sentido. E se tivesse sido com você?
Aquela última frase chocou a garota. Ela não teve palavras para retrucar e tampouco adiantava fazer isso. Por alguns segundos, ela não sabia se o que sentia era bom ou ruim. Era raiva ou gratidão? Sem saber a resposta, levantou-se e saiu sem ser rude, mas também sem se despedir. A amiga, com a consciência tranquila - afinal ela não havia se alterado em momento nenhum durante a conversa- pensou consigo mesma enquanto fitava a pobre garota que caminhava olhando para algo que ela só podia enxergar naquele momento. Ela não entende os garotos. Mas acho que nunca vai entendê-los se não parar de julgá-los. Um dia aprende. Todos aprendemos. E relembrou das coisas tristes que haviam acontecido em seu passado e que a haviam feito aprender.

Natanael olhava para o horizonte. Havia sido cruel demais com a menina. Deu uma risadinha. Fui ao menos sincero, pensou dando de ombros. E jogou mais uma pedrinha no riacho, acompanhando-a com os olhos enquanto ela saltava pelas águas calmas.
- Você gosta disso, não? - perguntou a garota que se aproximava.
- Jogar pedrinhas na água? Sim... - Respondeu ele sem olhar para ela.
- Maluco. Mas não mais do que eu.
- Por quê? - Perguntou Natanael, finalmente encarando a garota.
- Porque enquanto você atira pedrinhas na água, eu me atiro por completo. - E atirou-se no riacho, molhando propositalmente as calças de Natanael, que deu um salto de susto.
- Você precisa se tratar! - Informou ele sorrindo.
A garota olhou para o céu e respondeu:
- Você é que precisa! Afinal, quem perde tempo atirando pedrinhas no riacho quando pode atirar a si mesmo?!- Perguntou animada.- A propósito, sou Clarissa. - E estendeu a mão molhada. Já havia observado aquele garoto outras vezes naquele local. Achava-o interessante e sabia que não tinha nada a perder. Conversaram durante a tarde e marcaram de se ver no dia seguinte, não no mesmo lugar nem na mesma hora.

Enquanto Ricardo, do outro lado da cidade, olhava para o computador. Lá estava a foto da indecifrável garota que tanto o havia tirado o sono. Espero que você descubra que o mundo não gira ao seu redor, menina. Ricardo lembrou-se das coisas que havia vivido com ela. Por um segundo, sentiu o impulso de ligar para ela e dizer que havia pensado melhor. Mas conhecia a orgulhosa garota. Sabia que ela no mínimo o mandaria pescar.
- Cláudia, Cláudia... - sussurrou. Esboçou um sorriso.- Como você costuma dizer, a vida continua.

E deletou a foto dela de seu computador.