Havia um cão latindo no lado de fora. Era o único som que se destacava na minha mente, apesar de não ser o único som que vibrava no vento. Pude sentir que o cão me chamava, mas o tempo estava incerto demais para ir até lá: As previsões diziam vir uma tempestade a qualquer momento. Eu era jovem. O cão podia esperar.
Pessoas falando na sala de estar. Conversas vazias, despreocupadas. O cão uivou - ou foi um lobo?! Bobagem, não existiam lobos naquele lugar. E as pessoas continuavam falando, cruas, nuas, suas, todas suas se você desejar. Pude notar que algumas delas também podiam ouvir o uivo. Será que sentiram vontade de segui-lo?
Enquanto eu participava de tudo sem ousar interferir, alguma coisa acontecia. Impedia-me. Acorrentava-me. E as pessoas falando, suas conversas algumas vezes voltando-se para minha vida que passava, voava. Eu quis bater as asas e controlar meu voo, mas estava impedido, e foi melhor assim. Eu já não era mais tão jovem quanto antes, e voar apenas acompanhando a corrente do vento era mais seguro.
Depois de um tempo, meus ouvidos começaram a se sentir fatigados por terem que ouvir sempre as mesmas vozes insuportáveis; e meus lábios cansados por terem que responder sempre as mesmas perguntas sem conteúdo. Depois de um tempo, me dei conta de que minhas asas ou atrofiaram ou nunca haviam servido para nada mesmo; e meus olhos notaram que dariam tudo para poderem ver algo diferente daquele maldito dia lindo de sol lá fora.
No entanto, já ninguém mais notava minha presença. Já havia vivido minha vida, era velho e só o que precisava fazer era esperar pela morte. É assim que acontece, não?
Pois a morte chegou devagar. Veio na forma de uma silenciosa injúria ao meu velho corpo. Não havia porque lutar. Era muito mais fácil, aliás - e seguro -, esperar deitado em uma cama quentinha para que, quando a hora chegasse, nem me dar ao trabalho de cair no chão.
Nos últimos malditos dias, senti um mau-humor insuportável. Porém, não queria magoar meus familiares e por isso sorria o tempo todo, sempre expondo a resignação e passividade típicos à minha pessoa até então.
Nas últimas horas, entretanto, acabei descobrindo que eu não era daquele jeito. Respondi com grosseria as perguntas feitas pelos infelizes fantasiados de felicidade.
- Você precisa despir-se! Despir-se e lidar com quem você é! Só assim ela não será apenas uma fantasia... - disse eu. Senti vontade de explicar que eu havia passado a vida inteira escondido na mesma fantasia que eles, a de que a felicidade era conviver com o pouco, com o que a vida achasse melhor para nós. Senti vontade de contar-lhes que, no meu leito de morte, eu estava vivendo meus momentos mais felizes, e que as dores físicas nada significavam pois eu estava sendo consolado por mim mesmo e por minha verdadeira felicidade. Eu senti imensa vontade de viver, mas eles não compreenderiam aquilo. Aliás, creio que nem eu mesmo compreendi direito.
Já não havia vento lá dentro ou lá fora, e eu já não via nenhuma corrente para seguir. Senti um frio tremendo na espinha pois percebi que se eu não usasse minhas asas naquele exato momento, eu cairia e me esborracharia no chão. Bati, pela primeira vez, minhas asas. E voei, voei e voei segundo minha própria vontade.
Ninguém mais falava - ou suas vozes simplesmente não tinham mais a habilidade de me alcançar- e, no meu dia, não havia o mesmo sol de sempre, mas algo muito maior, talvez o misto entre o calor e o frio, o dia e a noite. Nada mais precisava ser vazio e nada mais era nada, pois eu era eu.
Meus lábios esboçaram um sorriso. E então fechei os olhos para morrer em paz, ao mesmo tempo que imaginava o que as pessoas ao redor comentariam no dia seguinte: ''Enlouqueceu. Horas antes da morte ele já nem falava coisa com coisa! Logo ele, sempre decidido e maduro...Coitado!''
Pobres irmãos. Mas seus comentários não importavam. O que eu queria mesmo era continuar prestando atenção no latido - ou uivo?- do cão - Ou lobo?!- lá fora. Fazia tempo que ele não me chamava com tamanho entusiasmo. Eu estava a caminho desta vez.
Pessoas falando na sala de estar. Conversas vazias, despreocupadas. O cão uivou - ou foi um lobo?! Bobagem, não existiam lobos naquele lugar. E as pessoas continuavam falando, cruas, nuas, suas, todas suas se você desejar. Pude notar que algumas delas também podiam ouvir o uivo. Será que sentiram vontade de segui-lo?
Enquanto eu participava de tudo sem ousar interferir, alguma coisa acontecia. Impedia-me. Acorrentava-me. E as pessoas falando, suas conversas algumas vezes voltando-se para minha vida que passava, voava. Eu quis bater as asas e controlar meu voo, mas estava impedido, e foi melhor assim. Eu já não era mais tão jovem quanto antes, e voar apenas acompanhando a corrente do vento era mais seguro.
Depois de um tempo, meus ouvidos começaram a se sentir fatigados por terem que ouvir sempre as mesmas vozes insuportáveis; e meus lábios cansados por terem que responder sempre as mesmas perguntas sem conteúdo. Depois de um tempo, me dei conta de que minhas asas ou atrofiaram ou nunca haviam servido para nada mesmo; e meus olhos notaram que dariam tudo para poderem ver algo diferente daquele maldito dia lindo de sol lá fora.
No entanto, já ninguém mais notava minha presença. Já havia vivido minha vida, era velho e só o que precisava fazer era esperar pela morte. É assim que acontece, não?
Pois a morte chegou devagar. Veio na forma de uma silenciosa injúria ao meu velho corpo. Não havia porque lutar. Era muito mais fácil, aliás - e seguro -, esperar deitado em uma cama quentinha para que, quando a hora chegasse, nem me dar ao trabalho de cair no chão.
Nos últimos malditos dias, senti um mau-humor insuportável. Porém, não queria magoar meus familiares e por isso sorria o tempo todo, sempre expondo a resignação e passividade típicos à minha pessoa até então.
Nas últimas horas, entretanto, acabei descobrindo que eu não era daquele jeito. Respondi com grosseria as perguntas feitas pelos infelizes fantasiados de felicidade.
- Você precisa despir-se! Despir-se e lidar com quem você é! Só assim ela não será apenas uma fantasia... - disse eu. Senti vontade de explicar que eu havia passado a vida inteira escondido na mesma fantasia que eles, a de que a felicidade era conviver com o pouco, com o que a vida achasse melhor para nós. Senti vontade de contar-lhes que, no meu leito de morte, eu estava vivendo meus momentos mais felizes, e que as dores físicas nada significavam pois eu estava sendo consolado por mim mesmo e por minha verdadeira felicidade. Eu senti imensa vontade de viver, mas eles não compreenderiam aquilo. Aliás, creio que nem eu mesmo compreendi direito.
Já não havia vento lá dentro ou lá fora, e eu já não via nenhuma corrente para seguir. Senti um frio tremendo na espinha pois percebi que se eu não usasse minhas asas naquele exato momento, eu cairia e me esborracharia no chão. Bati, pela primeira vez, minhas asas. E voei, voei e voei segundo minha própria vontade.
Ninguém mais falava - ou suas vozes simplesmente não tinham mais a habilidade de me alcançar- e, no meu dia, não havia o mesmo sol de sempre, mas algo muito maior, talvez o misto entre o calor e o frio, o dia e a noite. Nada mais precisava ser vazio e nada mais era nada, pois eu era eu.
Meus lábios esboçaram um sorriso. E então fechei os olhos para morrer em paz, ao mesmo tempo que imaginava o que as pessoas ao redor comentariam no dia seguinte: ''Enlouqueceu. Horas antes da morte ele já nem falava coisa com coisa! Logo ele, sempre decidido e maduro...Coitado!''
Pobres irmãos. Mas seus comentários não importavam. O que eu queria mesmo era continuar prestando atenção no latido - ou uivo?- do cão - Ou lobo?!- lá fora. Fazia tempo que ele não me chamava com tamanho entusiasmo. Eu estava a caminho desta vez.